O monopólio ocorre quando somente uma empresa fornece um serviço ou produto em uma determinada economia, sem concorrentes. Isso pode acontecer por alguns motivos, dos quais se podem destacar: a empresa sozinha consegue atender as demandas dos consumidores da área (aqueles que tentaram concorrer falharam em atender as demandas dos consumidores ou não arranjaram espaço no mercado), ela inovou criando um produto ou serviço e ainda não surgiram correntes, ou porque o estado regulamenta demais o setor de modo que apenas uma empresa possa atuar, gerando um monopólio compulsório (ou seja, que não é fruto da real preferência dos consumidores por aquela empresa).
A empresa que desfruta de uma concessão pública exclusiva é um monopólio local que só teria como resistência dos consumidores a elasticidade da demanda ou concorrência de substitutos, mas em alguns casos, de serviços ou produtos fundamentais, nem isso seria possível. Por exemplo, se uma empresa privada possui a exclusividade garantida pelo governo de atuar na distribuição de água em uma determinada cidade, o cidadão não teria a escolha de não ser cliente da empresa, mesmo que esta forneça um serviço de qualidade insatisfatória, porque ele precisa da água para sua subsistência.
Compreendidas como, respectivamente, fundamento da República Federativa do Brasil e princípio da ordem econômica, a livre iniciativa e a livre concorrência revelaram uma modificação do cenário construído ao longo do Século XX, consideravelmente marcado pela intervenção estatal, corolário do regime ditatorial.
Nota-se, dessa maneira, que o desenvolvimento da economia nacional ao longo do século XX, notadamente em sua primeira metade, esteve profundamente vinculado à intervenção estatal nas mais diversas esferas, seja em matéria de prestação de serviços públicos, seja em matéria de desenvolvimento de atividades econômicas.
Comentando a respeito dos poderes conferidos ao Presidente da República pela Constituição de 10 de novembro de 1937, seguem as palavras de José Afonso da Silva:
Em síntese, teve a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, como principais preocupações: fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que ocorria em quase todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em dificuldades para combater pronta e eficientemente as agitações internas; atribuir ao Poder Executivo uma intervenção mais direta e eficaz na elaboração de leis, cabendo-lhe em princípio, a iniciativa e, em certos casos, podendo expedir decretos-leis; reduzir o papel do parlamento nacional, em sua função legislativa, não somente quanto à sua atividade e funcionamento, mas ainda quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas determinantes das lutas e dissídios de partidos, reformando o processo representativo, não somente na eleição do parlamento, como principalmente em matéria de sucessão presidencial; conferir ao Estado a função de coordenador e orientador da economia nacional, declarando, entretanto, ser predominante o papel da iniciativa individual e reconhecendo o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo; reconhecer e assegurar os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade do indivíduo, acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem público; a nacionalização de certas atividades e fontes de riqueza, proteção ao trabalho nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento alienígena.
Enquanto que em boa parte daquele Século o Estado tenha ficado marcado pela atuação direta nos mais diversos seios da Sociedade, sobretudo nos Poderes Executivo e Legislativo, o que, por certo, acarretou a exploração de diversos serviços públicos e de atividades econômicas em regime de monopólio, além de terem sido instituídos diversos outros monopólios independentemente de prévia disciplina pelas Constituições federais, a segunda metade da década de 1990 e o início do Século XXI apresentaram mostras evidentes de que tanto a livre iniciativa quanto a livre concorrência estão assumindo papel fundamental nas reformas que o Estado brasileiro vem sofrendo.
A Constituição da República, de 5 de outubro de 1988, positivou no ordenamento jurídico brasileiro os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência em seus artigos 1º, inciso IV e 170, caput e inciso IV, sendo certo que a relação de atividades passíveis de exploração em regime de monopólio foi taxativamente discriminada no artigo 177.
A aproximação às últimas décadas do século XX, por sua vez, revelou que o acúmulo de funções exercidas pelo Estado tornou-o ineficiente em várias delas. As consequências decorrentes da globalização esclareceram que não seria possível atender satisfatoriamente à demanda da população por serviços públicos, infraestrutura e desenvolvimento econômico concomitantemente, ou seja, tornou-se flagrante a necessidade de que o Estado reformulasse o seu papel, deixando de ser o “personagem principal”, leia-se, ator, para passar a ser “coadjuvante”, leia-se, regulador, viabilizando, assim, que a iniciativa privada pudesse agir em condições regulares, propiciando o desenvolvimento em melhores condições para toda a sociedade.
O Brasil passou por uma grave crise nos anos 80 que ocorreu em quase todo o mundo. Entre 1979 e 1994, o Brasil viveu um período de estagnação da renda per capita e de alta inflação sem precedentes em sua história. Só a partir de 1994, com o Plano Real, estabilizaram-se os preços, criando-se condições para a retomada do crescimento. A causa fundamental dessa grande crise econômica foi a crise do Estado, que vinha ocorrendo mundialmente, mas que no Brasil foi particularmente acentuada.
Esta crise, que ainda não está plenamente superada, apesar de todas as reformas já realizadas, desencadeou-se em 1979, com o segundo choque do petróleo, e caracterizou-se pela perda de capacidade do Estado de coordenador do sistema econômico de forma complementar ao mercado.
Conforme ocorreu nos demais países, principalmente nos países latino americanos e do Leste europeu, a crise definiu-se como uma crise fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado, e como uma crise da forma burocrática pela qual o Estado era administrado.
BRASIL – ESTRATÉGIA DA REFORMA 1995-1998
(….) Um dos princípios fundamentais da reforma de 1995-1998 é o de que o Estado só deve executar diretamente as tarefas que são exclusivas do Estado, que envolvem o emprego do poder de Estado, e que apliquem os recursos do Estado. Entre as tarefas exclusivas de Estado, porém, deve-se distinguir as tarefas centralizadas de formulação e controle das políticas públicas e da lei, a serem executadas por secretarias ou departamentos do Estado, das tarefas de execução, que devem ser descentralizadas para agências executivas e agências reguladoras autônomas. Todos os demais serviços que a sociedade decide prover com os recursos dos impostos não devem ser realizados no âmbito da organização do Estado, por servidores públicos, mas devem ser contratados com terceiros. Os serviços sociais e científicos, para os quais os respectivos mercados são particularmente imperfeitos, já que neles impera a assimetria de informações, devem ser contratados com organizações públicas não-estatais de serviço, as ‘organizações sociais’, enquanto que os demais podem ser contratados com empresas privadas. As três formas gerenciais de controle – controle social, controle de resultados e competição administrada – devem ser aplicadas tanto às agências, quanto às organizações sociais.
A discussão a respeito de quais deveriam passar a ser as preocupações do Estado necessariamente remete à sua dimensão, isto é, no Século XX qual seria o tamanho adequado para o Estado? Sendo claros os sinais de que a iniciativa privada detém condições absolutamente melhores do que as estatais para o desenvolvimento de atividades econômicas e, também, para a prestação de serviços públicos, por meio de delegações e concessões, não resta dúvida de que o tamanho do Estado deverá restringir-se ao que realmente for essencial, podendo-se mencionar, a título exemplificativo, a segurança pública, a teor do que dispõe o art. 144 da Constituição da República.
Procurei resumir nas linhas anteriores, minhas considerações relacionadas à evolução experimentada pelo Brasil, decorrente da migração do regime monopolista para o regime da livre concorrência, sendo absolutamente certo afirmar que esta mudança reflete uma alteração ocorrida a partir da forma com que o Estado passou a enxergar a sua necessidade de intervir em atividades econômicas e serviços públicos.
As mencionadas modificações não ocorreram de maneira isolada, independentemente de toda uma modificação contextual, seja no que se refere às atividades econômicas, em que a participação do Estado, realmente, deveria ocorrer de maneira subsidiária, seja no que se refere aos próprios serviços públicos clássicos como, por exemplo, a telefonia e a energia elétrica.
Concluiu-se que o Estado não poderia avocar para si funções que deveriam ser executadas pela iniciativa privada de maneira mais eficiente, ou seja, era necessária a formação de uma consciência demonstrativa de que este não poderia ter a sua gama de atribuições exagerada, traduzida na realização de atividades que não fossem essenciais ao desenvolvimento da sociedade.
A máquina estatal não poderia pesar mais do que o estritamente necessário, sob pena de causar prejuízos a si mesma e à própria sociedade.
Apesar de ressaltar até o momento a evolução em combate ao monopólio e uma livre concorrência, focada inicialmente no Estado, é preciso esclarecer que as mencionadas interferências, sejam estatais e/ou particulares, realizadas por poderosos grupos econômicos que procuram fazer com que as autoridades reguladoras lhes tragam benefícios, imediatamente remetem à chamada “teoria da captura”, também conhecida como “teoria dos grupos de interesse”.
Bernardo Mueller, assim explica a teoria da captura:
Uma explicação alternativa que não sofre do mesmo desencontro entre predições e realidade é a teoria da captura, também conhecida como teoria dos grupos de interesses. Esta teoria se baseia na observação empírica que a regulação tende a favorecer os produtores economicamente mais fortes, que capturam a regulação como forma de proteger seus interesses. Diferentes vertentes da teoria da captura existem desde o século passado, sendo um exemplo a visão Marxista que as grandes firmas seriam sempre beneficiadas pelo governo. Sob estes pontos de vista firmas demandariam regulação para efetuar transferências a seu favor e criar barreiras de entrada para proteger suas rendas de monopólio e/ou gerar custos para seus concorrentes potenciais e efetivos. Mesmo que a regulação tivesse surgido inicialmente com o propósito de corrigir alguma falha de mercado, a teoria da captura prevê que ela acabaria sendo distorcida para atender os interesses das firmas, prejudicando assim os consumidores. Embora esta teoria tenha um apelo intuitivo maior do que a teoria do interesse público, ela não se baseia em nenhum modelo analítico que explica quais grupos irão capturar o regulador e quem será penalizado (…).
A fim de que, de fato, haja livre concorrência, é necessário que a regulação seja exercida de maneira imparcial e essencialmente técnica, o que demanda, obviamente, a necessidade de que não ocorram interferências de política eleitoral ou de interesses individualizados neste mister.
Caso haja interferências políticas, dependendo da medida, a instalação dos resseguradores privados no mercado poderá sofrer sérios prejuízos, notadamente decorrentes de insegurança jurídica, da imprevisibilidade das regras que passarão a disciplinar o funcionamento do mercado.
As agências reguladoras devem se assegurar de autonomia, neutralidade e independência, para que possam exercer o seu mister livre de pressões e interferências políticas.
Assim, livre concorrência significa a possibilidade de os agentes econômicos atuarem sem embaraços juridicamente plausíveis, em um dado mercado, visando à produção, à circulação e ao consumo de bens e serviços, isto é, procura garantir que os agentes econômicos tenham oportunidade de competir de forma justa no mercado.
Por fim e não menos importante, insto mencionar, finalmente, que, no plano jurídico nacional, foi preciso editar leis que regulamentassem os problemas atinentes à violação da livre concorrência, com o escopo de reprimir e prevenir que os agentes econômicos abusassem de seu poder. Nossa principal lei desta espécie é a Lei n. 8.884/94, a famigerada “Lei Antitruste”, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Consoante salienta André Ramos Tavares, tal “lei estabelece mecanismos jurídicos para combater, administrativamente, a concentração econômica e evitar abusos que possam comprometer o equilíbrio do sistema de livre concorrência estatuído constitucionalmente.”