A LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO PELO MUNDO

O ano era 1974, e nos Estados Unidos o então presidente norte-americano Richard Nixon renunciou a seu cargo eletivo sob alegações de corrupção no chamado escândalo de Watergate, em que cinco homens, agindo segundo ordens de Nixon, invadiram a sede do Comitê Nacional Democrata para obter informações que seriam úteis para ele em sua campanha de reeleição.

A partir daí, com a ocorrência de corrupção nos altos níveis do governo norte-americano, o tema do combate a estas práticas começou naturalmente a ser discutido com mais vigor.

Um desses atos envolveu a empresa norte-americana Lockheed, em 1976, quando descobriu-se que esta fabricante de aviões havia corrompido, ao longo de duas décadas, diversos dirigentes estrangeiros com a finalidade de facilitar a venda de seus produtos para os governos estrangeiros desses dirigentes.

Com várias ocorrências apuradas, dentre elas a da Alemanha Ocidental e Itália, onde na Alemanha ocidental foi denunciado que o Ministro de Defesa, Franz Josef Strauss e o partido a que pertencia teriam recebido cerca de US$10 milhões para facilitar a aquisição de 900 aeronaves F-104G Starfighters, no ano de 1961, denúncia essa que, ao que consta, não foi documentalmente provada.

Na Itália, entretanto, as provas demonstraram que o escândalo envolveu políticos do Partido Democrata Cristão no intuito de facilitar a aquisição, pela Força Aérea Italiana, de aviões C-130 Hércules.

Da mesma forma, a empresa corrompeu diversas autoridades japonesas, como o que se passou em 1957 com as vendas de aeronaves F-104 Starfighters à Força Aérea Japonesa, quando a preferência dos técnicos locais recaía sobre o Grumman F-11 Super Tiger.

Mais tarde, utilizando-se do mesmo expediente, a empresa vendeu para a AllNippon Airways (ANA) os L-1011Tristar, sobrepujando, com tal expediente subalterno, a aquisição dos DC10, produzidos pela concorrente McDonnel Douglas.

Destarte, percebeu-se claramente que o fenômeno da corrupção não poderia ser adequadamente tratado sem normas que se estendessem para além das fronteiras nacionais; contudo, ainda não havia mobilização internacional suficiente para desenvolver e assinar tratados multilaterais anticorrupção.

Assim, com base nessas justificativas, editou-se, em 1977, o Foreign Corrupt Practices Act – FCPA (Ato contra Práticas Corruptas Extrangeiras), nos EUA,
revelando-se como uma das primeiras grandes legislações de âmbito internacional no mundo, apesar de se tratar de norma interna desse país.

Importante ressaltar uma diferença entre a legislação brasileira e a americana, pois a questão de prevenção de crimes futuros é mais forte nos EUA, porém inadequada aos olhos do Direito brasileiro.

No EUA é comum que o mero planejamento de certas atividades criminosas seja considerado como crime, enquanto que no Brasil isso não ocorre, já que se presume que é sempre possível que, mesmo tendo planejado um crime, a pessoa ou grupo de pessoas desista antes de realizar de fato a atividade criminosa.

Embora o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), dos Estados Unidos da América (EUA), tenha iniciado em 1977 a onda de grandes normas que tratam do tema da corrupção, foi somente quase vinte anos depois, em 1994, que se deu o primeiro passo significativo para se assinar um tratado multilateral sobre o assunto, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), manifestando apoio ao estudo de medidas para o combate à corrupção na Declaração de Belém do Pará; foi estabelecido o Grupo de Trabalho sobre Probidade e Ética; e no final do ano, na Primeira Cúpula das Américas, os chefes de governo e de Estado reconheceram o nexo entre combate à corrupção e fortalecimento da democracia.

Assim, em 1995, iniciou-se o desenvolvimento de um projeto de criação de uma Convenção para tratar do tema. Finalmente, em 29 de março de 1996, em Caracas, na Venezuela, a Convenção Interamericana contra a Corrupção foi firmada e assinada por vinte e um Estados-membros da OEA – e posteriormente assinada por todos.

Todavia, mesmo estando em vigor, isso não significa que todos os Estados integrantes da OEA estavam obrigados a cumprir suas disposições e isso sequer se aplicava aos que a assinaram. A assinatura de um tratado serve para encerrar as negociações, cimentar suas cláusulas e demonstrar intenção de ratificá-lo no futuro.

O Brasil só o colocou em prática em 7 de outubro de 2002, seis anos após a assinatura da convenção, por meio do Decreto n. 4.410/02, que promulgou a Convenção, trazendo-a para o ordenamento brasileiro com força de lei ordinária.

Por fim, ao longo dos anos seguintes, o Brasil e os demais países-membros da OEA apontaram autoridades para servir ao propósito do artigo XVIII, da Convenção, que permite a designação de autoridades centrais encarregadas de formular e receber solicitações de assistência e cooperação conforme os ditames da Convenção. No caso do Brasil, estabeleceu-se que o Ministério da Justiça realizará essa tarefa (Ibidem).

Todos os atos de corrupção, listados na Convenção Interamericana contra a Corrupção, já estão tipificados no Código Penal brasileiro, exceto a prática de enriquecimento ilícito, que o Brasil se comprometeu a tipificar, e a prática de lobby com a finalidade de obtenção de benefícios ilícitos, cuja parte que a menciona na convenção foi objeto de reserva do Brasil.

As convenções e tratados internacionais sobre corrupção ratificados pelo Brasil tiveram um efeito positivo na evolução do tratamento do crime de lavagem de dinheiro pela Lei n. 9.613/98.

Também conhecida como Convenção de Mérida, devido à sua assinatura na cidade homônima do México, em outubro de 2003, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção entrou em vigor em maio de 2005, sendo ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 5.687, de janeiro 2006.

Até 2018, todos os países membros da ONU ratificaram esta convenção, exceto Barbados e Síria. Em 2010 ganhou destaque a Lei do Reino Unido denominada Bribery Act 2010, que é a lei que trata do crime de suborno.

Não foi o primeiro instrumento legal desse país que lidou com esse tema; ela, porém, aprimorou em muito seu tratamento e até ampliou as penalidades que podem ser impostas aos condenados por esse crime.

O Bribery Act 2010, do Reino Unido, que apesar desse nome oficial, entrou em vigor em 2011, é a lei promulgada nesse país para tratar do crime de suborno e outros relacionados.

Sua implementação, apesar de relativamente bem feita, foi considerada tardia por outros membros da comunidade internacional, especialmente pelo Grupo de Trabalho sobre Corrupção em Transações Comerciais Internacionais da OCDE.

Junto com o ForeignCorruptPracticesAct (FCPA), dos EUA, o BriberyAct 2010, do Reino Unido, foi uma das grandes inspirações para a lei brasileira anticorrupção.

O Brasil viveu uma convulsão social, popularmente conhecida como Jornadas de Junho de 2013, comparada à Primavera Árabe (2010-2012), que trouxe uma centena de manifestações no Oriente Médio e no Norte da África.

Os protestos brasileiros iniciaram-se contra o aumento no transporte público e, em seu ápice, reuniu um mosaico de pautas contra a corrupção política em geral, tornando famoso o slogan “Não é pelos 20 centavos”.

Como resposta, ganhou urgência a tramitação das Leis 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção e 12.850/2013, conhecida como Lei da Delação Premiada.

Originadas do Projeto de Lei 6.826/2010, inspirado nos compromissos assumidos pelo Brasil com organismos internacionais, elas trazem punições tanto a quem recebe propina quanto a quem a oferece.

Esses parâmetros foram regulamentados pelo Decreto nº 8.420, de março de 2015.

No caso de um ato de corrupção, a pessoa jurídica será convocada a prestar esclarecimentos. Sobre essa avaliação, o documento apresenta o seguinte trecho:

“§ 4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas” (BRASIL, 2013).

Se a pessoa jurídica cometeu ilícito, mas se dispõe a auxiliar nas investigações para capturar outros envolvidos, processo conhecido como acordo de leniência, a legislação menciona:

“Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas que versem sobre:
[…] IV – a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV” (ibid., 2013).

De forma simples e objetiva procurei descrever alguns dos principais atos praticados pelo mundo afora na luta contra a corrupção.

Por fim, deveríamos todos refletir que o maior castigo para aqueles cidadãos de bem, capazes e com boa formação que não se interessam por política é que serão governados pelos incapazes que se interessam.

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Sobre o autor

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Carlos Henrique Luques Ruiz

Dr. Carlos Henrique Luques Ruiz - Advogado; Pós Graduado em Direito Tributário; Perito Contábil; Pós Graduado em Gestão Pública com ênfase em Cidades Inteligentes. Membro do Conselho Regional de Prerrogativas da 18ª Região da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo

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