Médicos e especialistas em obesidade criticam medida do governo que liberava abertura de academias durante a crise do coronavírus e discutem o impacto do exercício e da dieta na obesidade
A inclusão das academias de ginástica na categoria dos serviços essenciais que devem ficar abertos durante a pandemia de coronavírus, definida pelo Governo Federal, é a cereja de um bolo indigesto. Principalmente para portadores de obesidade.
Mais da metade da população brasileira está acima do peso e um em cada cinco brasileiros tem obesidade. São pessoas que correm potencialmente mais risco nestes tempos de coronavírus, em que o tão necessário isolamento social tornou-se um desafio em níveis que variam de estado para estado, município para município.
Isso porque estatísticas do próprio Ministério da Saúde mostram que a obesidade é o maior fator de risco entre as vítimas da Covid-19 com menos de 60 anos no país.
Obesidade, na maior parte das vezes, está associada à pouca atividade física, e muitas das pessoas acima do peso em quarentena talvez julguem que voltar para a academia seja a solução do problema — sobretudo aquelas que não resistem a um assalto à geladeira a qualquer hora do dia, agora que ambas estão confinadas juntas. Mas não é.
“Durante anos, nós, médicos, evitamos falar que a relação entre perda de peso e atividade física é limitada. Afinal, não podíamos — nem podemos — deixar de estimular todos à prática de algum tipo de exercício. Mas o que é importante saber é que fazer atividade física é fundamental para a melhora do nosso sistema cardiovascular, assim como do intestinal, do mental… e de uma série de outros sistemas e órgãos.”
No entanto, é um engano culpar apenas o sedentarismo pelos quilos em excesso. Quem pratica exercícios sem fazer ajustes e restrições na dieta provavelmente não perderá peso algum ou apenas muito pouco. Isso é algo comprovado por diversos estudos.
“Essa falsa percepção está enraizada no mecanismo de propaganda da indústria de alimentos, que usa táticas assustadoramente semelhantes às do tabaco, fazendo referência à antiga vinculação do cigarro ao glamour e à beleza. Até que apareceram os primeiros estudos relacionando o vício ao câncer de pulmão.”
Pois essa indústria alimentícia associa seus produtos ao esporte, sugerindo que não há problema em consumi-los desde que você se exercite.
No entanto, a ciência nos diz que isso é enganoso e errado. É de onde as calorias vêm que é crucial. As calorias do açúcar promovem o armazenamento de gordura e a fome. Calorias gordas induzem plenitude ou saciedade.
Nesse “caldo” entra outro ingrediente de peso: estamos todos vivendo uma enorme ansiedade por respostas às frustrações do confinamento. Emprego, dinheiro, futuro, estado emocional… Tudo está sendo afetado e, inevitavelmente, um dos escapes é abrir a boca para comer mais e mais. Especialmente bobagens.
O resultado disso já foi medido na França. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) para o site Darwin Nutrition, 57% dos franceses engordaram durante a quarentena. O aumento de peso foi, em média, de 2,5 quilos.
Entre os entrevistados, 42% disseram que dedicam mais tempo ao “happy hour”, etapa antes do jantar acompanhada por petiscos e bebidas alcoólicas. Mais de dois em cada dez entrevistados também declararam ter aumentado o consumo de chocolate nas últimas semanas. No Brasil, o quadro não deve ser muito diferente.
Nesse contexto, ao liberarmos as academias, estamos literalmente levando uma enorme população de risco, a dos obesos, a voltar para um ambiente com alta probabilidade de contaminação. Academias são espaços que envolvem aglomeração, secreções respiratórias e das mais diversas, dispersão de aerossóis pelas atividades aeróbicas intensas… Tudo isso em salas com pouca ou nenhuma ventilação, que se tornam impossíveis de controlar.
Definitivamente, no momento atual, isso não vale o esforço. Melhor ficar (e se exercitar) em casa.