AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

Por Roberto Musatti

Nos anos 70-80 a União Soviética tinha uma politica antissemita bem vigorosa em curso, especialmente no que se referia á emigração, a saída de judeus do país, praticamente proibida. O antissemitismo não era novidade desde antes e durante a Rússia do Czar. Por diletantismo ou por política de apaziguamento, volta e meia a cavalaria Cossaca adentrava os guetos onde os judeus eram confinados a viver e realizava verdadeiros massacres indiscriminados de civis. Eram os chamados ‘Pogroms’ que se estenderam até pouco depois da 1ª. Guerra Mundial.

Natan Sharanski era então nessa década de 70 um ‘refusenik’ ou um dos judeus que desejava sair da URSS, pois não conseguia ter, assim como tantos outros, uma vida profissional, educacional, cultural igual aos demais cidadãos. Foi preso em 1977 pela KGB e condenado a 13 anos de trabalhos forçados – inicialmente em uma solitária na ‘famosa’ prisão Lefortovo em Moscou. Depois foi transferido para um Gulag (prisão de trabalhos forçados) e se tornou conhecido como o ‘Prisioneiro do Sion’. Sua esposa Avital liderou um movimento internacional para sua libertação e de outros que desejassem sair da URSS (em boa parte para Israel) que também fico conhecido por “Let my people go!” ou ‘Deixe meu povo ir!’. Em 1986 foi libertado e autorizado a sair da URSS, numa troca de prisioneiros ‘espiões’.  Em Israel eventualmente se tornou um membro do Parlamento (Knesset) e Vice- Primeiro Ministro.

Sharansky nasceu e cresceu em Donetsk na Ucrânia. Ele descreve: “Quando cresci na Ucrânia em Donetsk existiam muitas nações e nacionalidades. Nas cédulas de identidade constavam as designações Russo, Ucraniano, Georgiano, o que não tinha muita importância… Mas uma coisa sim, fazia diferença – se estivesse escrito ‘Judeu’… Era como se fosse uma alguma doença. Não éramos religiosos ou nos identificávamos com o judaísmo – apenas pelo antissemitismo e o ódio contra nós. Ninguém tentava alterar a nacionalidade para entrar na Universidade a não ser os Judeus, pois assim teriam uma chance”.

Continua Nathan Scharanski: “Lembrei-me disso essa semana, ao ver milhares de pessoas detidas nas fronteiras tentando escapar da tragédia na Ucrânia. Elas ficam lá dias e noites, e uma única palavra pode ajuda-las a sair de lá: Judeu. Se for Judeu, há outros do lado de fora que se preocupam por você e suas chances de sair de lá são grandes. O mundo virou de cabeça para baixo…quando eu era criança, Judeu era uma palavra para designar o mal, ninguém nos invejava e hoje na fronteira da Ucrânia ela designa o bem, descreve pessoas que tem para onde ir, de que existe um povo, uma nação que é sua família, que te espera do lado de fora’.

Israel enviou para a fronteira Polonesa com a Ucrânia, um hospital de campanha com médicos e paramédicos, três aviões com mais de 100 toneladas de ajuda humanitária e está trazendo refugiados em repetidos voos de Varsóvia, da Moldávia e da România. Centenas já chegaram e o país se se prepara para receber cerca de dez mil refugiados nas próximas semanas.

Esta não é uma situação nova ou inusitada para Israel. No início da década de 60 a população judaica na União Soviética era de 2.3 milhões. Quando finalmente os judeus puderam sair no fim da URSS nos anos 80, a incrível emigração de 1.7 milhões ocorreu – com mais de um milhão de refugiados sendo absorvidos por Israel. Hoje a Rússia tem uma população judaica de apenas 165 mil e a Ucrânia 43 mil.

A posição do país é delicada, tão ou mais do que a dependência brasileira de adubos russos para seu agronegócio. Se por um lado Israel apoia as moções da ONU condenando a invasão Russa por simples analogia ao seu problema vis-à-vis com os movimentos terroristas palestinos, por outro depende de Putin para manter o acordo apalavrado com ele de poder atacar o Hezbollah na Síria (que sempre tenta receber mísseis, bombas e armas do Irã para atacar civis em Israel) sem interferência da Força Aérea Russa, ali presente protegendo Hafez Assad. Putin também é o fiel da balança contra a assinatura dos acordos nucleares do Irã que novamente os Democratas de Obama e Kerry querem assinar, tornando a bomba islâmica cada vez mais uma possibilidade real e perigosa – especialmente para Israel – que o Irã e os aiatolás não se cansam de lembrar seu objetivo de exterminar.

Quem poderia imaginar que apenas quase um século depois dos horrores e terror dos genocídios causados pelos cossacos Ucranianos nos guetos judaicos, o Presidente da Ucrânia seria um Judeu, que ao invés de seguir o protocolo normal de fuga uma vez que seu país é invadido, se junta a suas tropas para a resistência inspirando toda a nação?  E quem imaginaria que atendendo a seu pedido o Primeiro Ministro de Israel é o primeiro – e até agora único – chefe de estado a voar para Moscou e sentar com Putin para mediar uma paz, um acordo ou um cessar fogo duradouro para esta guerra?

Quantos poderiam imaginar que o fim do triste, desesperado e inadmissível sofrimento da população Ucraniana possa estar atrelado a uma bem sucedida atuação de Israel – um povo que na sua história recente teve a vívida noção deste sofrimento.  

Que a paz tenha uma chance.

*Grato a Sandra Rejwan e Persio Bider pelas postagens e textos

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Sobre o autor

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Roberto Musatti

Roberto Musatti é formado em economia pela USP, com mestrado na Michigan State University e doutorado na California International Business University, em Marketing. Fluente em inglês, italiano e espanhol, possui diversos artigos científicos publicados.

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